Natural de Osório, pequena cidade litorânea do Rio Grande do Sul, o designer Tiago Braga estreia na Paris Design Week 2023 – entre 7 e 10 de setembro – com a sua marca Oiamo Design. Em sua participação, o designer apresentará o Banco Achego e a Luminária Hornero – objetos desenvolvidos em parceria com o coletivo de artesãs da Associação Ladrilã para o Projeto Raiz – na Exposição Collector’s House.
Idealizada em 2019 pelo designer Tiago Braga, a marca Oiamo Design é um ateliê localizado no Rio Grande do Sul, cujo foco é mapear e revitalizar a memória das comunidades originárias do extremo sul brasileiro. Assim, a Oiamo resgata técnicas ancestrais e preserva as tradições da lã artesanal gaúcha. As criações da marca exploram as artes manuais milenares como tricô, tear, crochê, bordado, cestaria e marcenaria inspiradas por um lado campesino, mas também litorâneo e citadino.
Luminária Hornero e Banco Achego | Foto: Divulgação 
A Luminária Hornero é feita à mão e 100% em lã natural artesanal obtida com a tosa responsável de ovelhas do extremo sul do Brasil, sem tingimento ou alvejamento | Foto: Divulgação 
O Banco Achego tem estrutura em madeira de reflorestamento certificada e revestimento 100% em lã natural artesanal obtida com a tosa responsável de ovelhas do extremo sul do Brasil, sem tingimento ou alvejamento | Foto: Lufe Torres 
Luminária Hornero e Banco Achego | Foto: Antônio Fotografia
Confira a seguir uma entrevista exclusiva com Tiago Braga, em que é possível perceber todo o seu sentimento poético de reinventar este território de fronteira.
REVISTA DECOR – Nascido em um universo criativo – com a avó que era costureira, o pai que era músico e a mãe que era professora e artesã –, durante a infância você já imaginava trabalhar na área criativa?
TIAGO BRAGA – Sempre gostei de arte, quando criança a minha brincadeira preferida era criar cenários malucos utilizando as coisas que tinha em casa, tudo deriva, lençóis, abajures, cadeiras. Desde cedo fui incentivado por minha família a desenvolver a criatividade participando de oficinas de música, de teatro e até de contos. Aos 14 anos ganhei um concurso de crônicas e hoje, lendo o texto, fico intrigado com a minha capacidade de inspiração para ter escrito um texto tão altruísta com esta idade. Eu já tinha a vocação e estava envolvido neste universo.
DECOR – Formado em Comunicação Social, quando e por que decidiu migrar para o design?
BRAGA – Desde o início do curso, já comecei trabalhando como assistente de arte, depois como diretor de arte e designer. Trabalhei mais de 15 anos com cenografia e design gráfico para grandes agências de comunicação e eventos.
DECOR – Fundada em 2019, a Oiamo é um ateliê nômade do Rio Grande do Sul. Como nasceu a marca?
BRAGA – A marca nasceu em um momento de busca pessoal por novos caminhos. A partir da minha pesquisa acadêmica sobre design e sustentabilidade me reencontrei com minhas origens. Percebi que o design pode ser mais que uma experiência estética, e que tem um poder transformador quando conecta saberes ancestrais através do resgate do artesanato para criar novas visões de futuro. Em contato com artesãs gaúchas para mapear o saber-fazer do extremo sul, em minha pesquisa nasceu a Oiamo.
DECOR – Os seus trabalhos se baseiam na metodologia chamada por você de Design Ancestral. Como ela funciona e quais técnicas e materiais são utilizados para a criação das peças?
BRAGA – Essa metodologia consiste em mapear e resgatar o saber-fazer manual, atualizando e projetando técnicas muito antigas guardadas pelos povos originários e espalhadas nos fluxos migratórios como o crochê, o tricô, o tear manual e o bordado. Essas técnicas dizem muito sobre o modo de vida sulino, o pampa gaúcho brasileiro, um território de fronteira formado por séculos de interação entre indígenas, pretos e ibéricos. Os projetos concebidos reúnem diferentes habilidades e competências, em uma valiosa combinação de ideias e vivências.
DECOR – A edição 2023 da Paris Design Week 2023 irá apresentar a Luminária Hornero e o Banco Achego – objetos desenvolvidos em parceria com o coletivo de artesãs da Associação Ladrilã para o Projeto Raiz – na Exposição Collector’s House. O que você espera desta sua estreia neste evento tão importante?
BRAGA – Participar desse evento – que é um dos principais eventos de design do mundo – é uma grande oportunidade de troca de conhecimento, de refletir sobre o design e seus impactos sociais e culturais no mundo.
DECOR – O que te inspirou a criar o Banco Achego e a Luminária Hornero? Poderia nos contar um pouco sobre essas peças?
BRAGA – Em O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo: “Ana Terra fiava, a roca e o vento – e o tempo passava assim. ” O som da roca que assombra gerações destas mulheres fortes atravessa a minha pesquisa etnográfica realizada nas estâncias do extremo Sul do Brasil para o Projeto Raiz, uma pequena coleção de objetos de memória que celebram as formas orgânicas de elementos da paisagem sulina campeira como as casas de joão-de-barro. A esquila ou tosquia dos animais, realizada de forma respeitosa, se torna fundamental para garantir o bem-estar e a qualidade de vida do animal, evitando formação de fungos e bactérias que causam doenças. O projeto mobiliza pequenos produtores locais e artesãs gaúchas da Associação Ladrilã, explorando a versatilidade da matéria-prima de forma sustentável e inovadora, resgatando e atualizando o saber-fazer da lã artesanal gaúcha. Energia ancestral das mulheres do Pampa que tecem com as mãos uma existência feminina, como suas avós, tanto no poder como no remanso, na profissão de parteira, na cura através da magia, nas lidas em “las casas” e na lembrança dos mortos nesta importante zona de fronteira.
DECOR – Conte um pouco sobre o seu processo de criação.
BRAGA – Primeiramente defino um objeto de estudo e o recorte da pesquisa que pode ser uma técnica manual, uma cultura ou um lugar. Depois disso realizamos um mergulho imersivo em campo, onde realizamos registros imagéticos e sonoros. Durante a etnografia, nas vivências com os coletivos de artesãs nos locais onde vivem, surgem muitos insights e intuições que nutrem o processo que é colaborativo e valoriza a pluralidade de ideias.
DECOR – Você se inspira em alguém para criar?
BRAGA – Eu me inspiro em nomes como Adélia Borges, Sérgio Matos e Marcelo Rosenbaum que tanto contribuem para a cultura do design sustentável e responsável, que projeta o artesanato e as nossas origens, celebrando a nossa cultura e seus guardiões utilizando, de forma sustentável, matérias-primas locais de forma tão respeitosa e generosa.
DECOR – Você pode nos contar um pouco sobre os reconhecimentos que a Oiamo já recebeu?
BRAGA – A Oiamo foi nomeada oficialmente pelo comitê Global Sustainable Association (GSÃ) para o Kyoto Global Design Awards 2023 na categoria “Best 100” e foi vencedora do Prêmio de Design Bornancini 2022 na categoria Impacto Econômico e Cultural.
DECOR – Quais são seus próximos objetivos?
BRAGA – Gostaria de promover oficinas entre grupos de artesãs de outras regiões do Brasil, conectando saberes e gerando intercâmbio cultural e experiências estéticas que valorizam a pluralidade de pensamentos e enriqueçam as criações com os coletivos de artesã. Além disso, quero aprofundar ainda mais a minha pesquisa etnográfica no extremo Sul do Brasil para resgatar e atualizar o saber-fazer ancestral sulino.
